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    2008-12-06

    A imagem tátil



    As primeiras quatro fotos são do começo de O silêncio (Tystnaden, 1963). O menino Johan acorda no trem em que viaja com a mãe e a tia, esfrega os olhos diante da luz do sol e em seguida apóia a mão no vidro da janela enquanto vê o trem de carga que passa em sentido contrário com carros militares.
    As fotos seguintes são do prólogo de Persona (Persona, 1966) em que o mesmo intérprete, Jörgen Lindström, vive um menino que desperta, põe os óculos e estende a mão na direção da câmera para tocar a imagem de dois rostos de mulher que aparecem numa tela invisível no espaço, ora mais ora menos em foco.
    O gesto, tocar a imagem, apanhar a imagem pelo tato, apoiar a mão numa superfície sbsolutamente transparente inexistente para tocar a imagem se faz, o gesto é o mesmo em O silêncio e em Persona. Não é só um gesto repetido pelo mesmo intérprete e num mesmo instante da narrativa, naquela espécie de prólogo que o filme situa o espectador no ponto de vista de onde ele deve acompanhar a história que ali começa a ser contada. É um modo de sugerir que a imagem de cinema (não só nestes dois filmes, mas neles especialmente), é feita para ser tocada pelo espectador: interatividade virtual e absoluta: ele toca a imagem e é tocado por ela.
    Em Persona Ingmar Bergman radicaliza a sugestão de O silêncio. Retira da cena um pretexto verossímil para deixar livre e em destaque o que de fato importa, a mão que toca a imagem. O diretor elimina sinais realistas, causas, pretextos, explicações para cada imagem e para a relação que se estabelece entre elas – ou substitui estes sinais por outros, surrealistas.
    No segundo filme, nem vagão de trem, nem qualquer pequena ação como suporte para o gesto: ao contrário, o que vemos é uma sucessão de imagens que reiteram o fato de estarmos diante de uma projeção de cinema. Na tela escura o carvão dos projetores se torna incandescente pouco a pouco até explodir em luz para que a película cinematográfica que corre nas rodas dentadas do projetor ganhem movimento e vida.
    O que vemos antes do garoto que põe os óculos e estende a mão para tocar as imagens é isso: o carvão, o filme na roda dentada, a cruz de malta que gira diante da janela do projetor, a tira de começo, a ponta do filme antes da primeira imagem, e finalmente, entre outros planos brevíssimo, um ou outro de apenas um fotograma, um pedaço de desenho animado. E logo, imagens de um tom surrealista: o menino que daí a pouco desperta, tanto pode estar num quarto quanto num necrotério, ao lado de pessoas mortas. Tanto pode despertar quando ressuscitar, como ocorre com um adulto, um dos aparentes mortos, que abre os olhos despertado ou revivido pelo tilintar de uma campainha.
    A dúvida – despertado ou ressucistado? – é o que melhor expressa a experiência de entrar num filme para Ingmar Bergman: estávamos dormindo ou mortos, despertamos ou nascemos assim que o filme começa. Por isso mesmo, em Persona, as imagens iniciais retornam no final: o menino toca a imagem, a película se solta da roda dentada do projetor, o carvão se apaga.


    Bem mais tarde, em Fanny e Alexander (Fanny och Alexander, 1982, imagens em cor, ao lado) Bergman retoma a questão para não deixar espectador esquecer que mesmo ali, naquela história contada de modo a dar a sensação de presenciar não um filme mas uma cena de verdade, ou uma cena de teatro, mesmo ali tudo se vê melhor no cinema quando se consegue tocar a imagem – a imagem, a construção Arte-ficial, de acordo com o neologismo criado por Eisenstein para reafirmar o objeto artístico como uma criação livre e independente da natureza, a imagem ainda que feita a partir da natureza humana tem vida independente porque não imita a natureza mas salta para dentro dela e ganha existência própria.
    Em Fanny e Alexander o menino Alexander brinca com um teatro de bonecos de papel antes de, ao se descobrir sozinho em casa, tocar o vidro da janela e a imagem da gente que se move lá fora. O plano começa no detalhe da mão e a câmera desce para mostrar Alexander debruçado sobre a vidraça da janela. Mais tarde, no quarto, se diverte antes de dormir com a Lanterna mágica que ganhou de presente de Natal.
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