Henry Fool
Realizado por Hal Hartley
EUA, 1997 Cor - 137 min.
Com: Thomas Jay Ryan, James Urbaniak, Parker Posey, Kevin Corrigan, Veanne Cox, Jan Leslie Harding, Nicholas Hope, Miho Nakaido, Cuck Montgomery, Maria Porter
Simon Grim (Urbaniak) é um jovem introvertido que vive com a mãe adoentada, Mary (Porter) e com a promíscua irmã, Fay (Posey), as quais sustenta trabalhando na recolha de lixo. Um dia, Henry Fool (Ryan) chega à cidade. Fool é um homem com um passado obscuro, possivelmente criminoso, e que carrega consigo os cadernos das suas "Memórias", escritas ao longo de diversos anos, uma obra que acredita poder vir a agitar o mundo literário. Vendo o modo como Simon se mantém fechado em si mesmo, Fool dá-lhe um lápis e um caderno e incentiva-o a escrever o que sente.
Depois de um conjunto de filmes de reconhecido mérito artístico, que firmaram a imagem de marca da sua cinematografia, Hal Hartley enveredou pelo experimentalismo narrativo de «Flirt» (1995), onde se testava a mesma história sobre três cenários diferentes. Em «Henry Fool», que estreia em Portugal com um atraso quase tão grande como o filme anterior, e depois de muitas hesitações do distribuidor, o cineasta continua a tentar afastar-se daquilo que a sua audiência espera dele. Existe maior manifestação de emotividade por parte de alguns dos personagens e a narrativa é mais complexa, alargando-se inclusive a uma passagem de tempo de diversos anos, algo que pela primeira vez sucede num filme de Hartley, onde, normalmente, toda a acção decorre no espaço de alguns dias, em cenários mais ou menos limitados.
«Henry Fool» vai também mais longe no que toca a artifícios visuais. Hartley tem-se demonstrado avesso a "duplos e efeitos especiais" (categoria onde inclui cenas de sexo), não lhe agradando o tempo e a preparação prévia necessária à sua filmagem, daí, por exemplo, a surreal artificialidade de um tiroteio em «Amador» (1994). Aqui, talvez devido ao desejo de tentar quebrar as suas próprias "regras", mas certamente para melhor caracterizar uma atmosfera de degradação, que se reflecte numa série de elementos (o emocional, o social, o urbano), esses artifícios cénicos não são poupados. Como não será difícil de ler em textos sobre o filme - como se esses elementos fossem essenciais para o ilustrar - «Henry Fool» inclui um par de cenas escatológicas de grau 7, em que uma delas, pelos menos, pode potencialmente induzir um estado prolongado de incredulidade por parte da plateia. A cena de casa de banho percorre a fina linha entre o humor e o mau gosto e a conclusão serve perfeitamente as, hmm, necessidades do guião.
Hartley levanta interessantes questões relacionadas com a criação e a natureza do talento do artista. Henry tem cultura literária, expressa-se com fluidez - e quebra os diálogos cruzados de outros filmes, substituindo-os por monólogos - é gramaticamente perfeito e parece dominar todas as técnicas da escrita, em prosa ou verso. Simon escreve mal, tem dificuldade em fazer distinções básicas entre palavras homófonas (como "there", "their" e "they're"), mas pode ter algo dentro de si que consiga provocar fortes emoções no leitor - escreve com um instinto natural, puro. Hartley toma por desnecessários juízos exteriores (nossos ou dele) sobre as obras, as quais não são colocadas à nossa consideração, algo que nos poderia distrair da ideia central. O modo como o texto de Simon afecta quem o lê é apresentado de modo nada sério - chegando a ser difícil saber se o humor é intencional - como se de quase milagres se tratassem. Há que mostrar que o poema é forte e o realizador não se poupa a exageros. Um desses momentos é com a esposa Miho Nakaido, aqui no papel de uma emigrante Vietnamita.
No meio do humor, da escatologia, e apesar de algumas situações algo desproporcionadas e soluções apressadas, no segmento final, «Henry Fool» apresenta-se como o filme mais complexo e negro na obra do realizador de Long Island. Será bem aceite por aqueles que já conhecem e apreciam a sua obra, mas poderá também mudar opiniões menos positivas sobre o cineasta, dada a evolução formal e narrativa aqui patente.
Realizado por Hal Hartley
EUA, 1997 Cor - 137 min.
Com: Thomas Jay Ryan, James Urbaniak, Parker Posey, Kevin Corrigan, Veanne Cox, Jan Leslie Harding, Nicholas Hope, Miho Nakaido, Cuck Montgomery, Maria Porter
Simon Grim (Urbaniak) é um jovem introvertido que vive com a mãe adoentada, Mary (Porter) e com a promíscua irmã, Fay (Posey), as quais sustenta trabalhando na recolha de lixo. Um dia, Henry Fool (Ryan) chega à cidade. Fool é um homem com um passado obscuro, possivelmente criminoso, e que carrega consigo os cadernos das suas "Memórias", escritas ao longo de diversos anos, uma obra que acredita poder vir a agitar o mundo literário. Vendo o modo como Simon se mantém fechado em si mesmo, Fool dá-lhe um lápis e um caderno e incentiva-o a escrever o que sente.
Depois de um conjunto de filmes de reconhecido mérito artístico, que firmaram a imagem de marca da sua cinematografia, Hal Hartley enveredou pelo experimentalismo narrativo de «Flirt» (1995), onde se testava a mesma história sobre três cenários diferentes. Em «Henry Fool», que estreia em Portugal com um atraso quase tão grande como o filme anterior, e depois de muitas hesitações do distribuidor, o cineasta continua a tentar afastar-se daquilo que a sua audiência espera dele. Existe maior manifestação de emotividade por parte de alguns dos personagens e a narrativa é mais complexa, alargando-se inclusive a uma passagem de tempo de diversos anos, algo que pela primeira vez sucede num filme de Hartley, onde, normalmente, toda a acção decorre no espaço de alguns dias, em cenários mais ou menos limitados.
«Henry Fool» vai também mais longe no que toca a artifícios visuais. Hartley tem-se demonstrado avesso a "duplos e efeitos especiais" (categoria onde inclui cenas de sexo), não lhe agradando o tempo e a preparação prévia necessária à sua filmagem, daí, por exemplo, a surreal artificialidade de um tiroteio em «Amador» (1994). Aqui, talvez devido ao desejo de tentar quebrar as suas próprias "regras", mas certamente para melhor caracterizar uma atmosfera de degradação, que se reflecte numa série de elementos (o emocional, o social, o urbano), esses artifícios cénicos não são poupados. Como não será difícil de ler em textos sobre o filme - como se esses elementos fossem essenciais para o ilustrar - «Henry Fool» inclui um par de cenas escatológicas de grau 7, em que uma delas, pelos menos, pode potencialmente induzir um estado prolongado de incredulidade por parte da plateia. A cena de casa de banho percorre a fina linha entre o humor e o mau gosto e a conclusão serve perfeitamente as, hmm, necessidades do guião.
Hartley levanta interessantes questões relacionadas com a criação e a natureza do talento do artista. Henry tem cultura literária, expressa-se com fluidez - e quebra os diálogos cruzados de outros filmes, substituindo-os por monólogos - é gramaticamente perfeito e parece dominar todas as técnicas da escrita, em prosa ou verso. Simon escreve mal, tem dificuldade em fazer distinções básicas entre palavras homófonas (como "there", "their" e "they're"), mas pode ter algo dentro de si que consiga provocar fortes emoções no leitor - escreve com um instinto natural, puro. Hartley toma por desnecessários juízos exteriores (nossos ou dele) sobre as obras, as quais não são colocadas à nossa consideração, algo que nos poderia distrair da ideia central. O modo como o texto de Simon afecta quem o lê é apresentado de modo nada sério - chegando a ser difícil saber se o humor é intencional - como se de quase milagres se tratassem. Há que mostrar que o poema é forte e o realizador não se poupa a exageros. Um desses momentos é com a esposa Miho Nakaido, aqui no papel de uma emigrante Vietnamita.
No meio do humor, da escatologia, e apesar de algumas situações algo desproporcionadas e soluções apressadas, no segmento final, «Henry Fool» apresenta-se como o filme mais complexo e negro na obra do realizador de Long Island. Será bem aceite por aqueles que já conhecem e apreciam a sua obra, mas poderá também mudar opiniões menos positivas sobre o cineasta, dada a evolução formal e narrativa aqui patente.
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