Título Original: Os Três Zuretas
Gênero: Comédia Dramática
Origem/Ano: BRA/1997
Duração: 82 min
Direção: A. S. Cecilio Neto
Elenco:
Cláudio Marzo / Walderez de Barros / Ilana Kaplan / Lygia Cortez / Assunta Perez / Angelo Brandini / Wandi / Guto Coelho / Júlio Torres / Ronaldo França
Sinopse:
No início dos anos 60, o garoto Joaquim, o primeiro de nossos demônios, é mandado para a casa dos avós no interior de São Paulo para que não presencie a separação iminente dos pais.
Apesar da angústia que a situação lhe traz, Joaquim segue feliz para encontrar seus amigos Zezo e Pelé e principalmente seu avô, Vô Quim, que, consciente do momento difícil pelo qual passa o neto, se esforça em amenizar o sofrimento da criança, em detrimento do seu próprio.
De tanto serem chamados de demônios pelos pais em suas próprias casas, reunidos os três meninos, uma dúvida se instaura: seriam realmente demônios? E caso o fossem, teriam a capacidade de realizar seus desejos? E caso assim o pudessem, seria pecado?
Este é o fio condutor da história.
Nela veremos a relação conflitiva de amizade entre os três "demônios", as trapalhadas em que se metem, as encrencas que arrumam e as descobertas que vivenciam.
Veremos o avô, sentindo-se já no final da vida, tentando passar ao neto liçöes de amizade e liberdade, confrontando-se por isto com sua mulher, Vó Joana, que, apesar de amar o garoto, julga adequada uma atitude mais disciplinadora.
Observaremos o preconceito velado contra Pelé, por ser negro e filho natural de uma pobre lavadeira.
E, ao final, veremos Joaquim sendo atingido pela realidade imutável da morte, choque que o leva a iniciar a longa e difícil travessia em direção à maturidade, deixando a infância para trás.
Travessia esta que seria muito mais cheia de sofrimento se ele não pudesse contar com a ajuda e o amor dos seus dois amigos.
Decadência e desencanto: uma singular revisão da infância em Os Três Zuretas
Um típico filme infantil quase sempre busca um diálogo com uma infância tenra, repleta de travessuras vistas sempre com um olhar nostálgico, associado à liberdade que o "responsável" mundo dos adultos não conseguiu manter. É o mundo romântico de Casimiro de Abreu em "Meus Oito Anos" ou ainda a comédia inconseqüente no estilo de O Pestinha ou Esqueceram de Mim. Mas até que ponto essa perspectiva realmente promove um retrato construtivo da infância? Com um formato que claramente deixa satisfeito um público de classe média, são filmes que geram uma alienação, porque apresentam - e intencionalmente - um mundo que se esquiva covardemente de qualquer dificuldade do dia-a-dia, formando crianças despreparadas para enfrentar com maturidade futuros desafios. Mesmo o recente e elogiado Castelo Rá-Tim-Bum, embora com uma linguagem de cinema, e não de televisão, como a grande maioria desses filmes, acaba incorrendo na mesma visão. Por isso, é desconcertante assistir a Os Três Zuretas, raro filme infantil que foge do estereótipo da criança imatura para propor uma avaliação madura e que nunca trata o público infantil com o desdém das demais produções do gênero.
Sim, um filme infantil, pois acima de tudo, é um filme que deve ser visto por crianças. Mas ainda consegue um equilíbrio improvável, porque também pode ser apreciado por adultos. No entanto, a avaliação que adultos e crianças extrairão do filme é completamente diferente: as crianças, entrando em contato com um modo de olhar e uma perspectiva diferentes; os adultos, por sua vez, reavaliando o relacionamento entre crianças e adultos. Embora pais e filhos provavelmente queiram apenas se olhar de soslaio ao final da sessão, o que se perpetua é uma melhor compreensão dos conflitos e das características da criança descobrindo seus próprios caminhos. Esse equilíbrio é resolvido com uma simples observação: somente é possível realizar um filme sobre a infância a partir de um olhar que não é infantil. Ora, todo filme é realizado por adultos, daí seu olhar é necessariamente adulto. Por outro lado, todo adulto necessariamente foi criança, e se recorda de suas impressões da época que o era. É através das sutilezas desse olhar que Cecílio Neto busca um equilíbrio que desde o início nunca se apresenta como resolvido a priori, mas sempre como um paradoxo de difícil solução. Em Os Três Zuretas, é de fato a busca por um novo retrato da infância um espelho dessa trajetória claramente desigual entre o passado e o presente como formação de uma identidade.
Daí surge a fundamental presença do avô (Cláudio Marzo). Muitas vezes o avô é apresentado em uma cena com um tal deslocamento da ação dramática em si que o torna quase um observador. O ponto-chave dessa tendência surge num instante em que a avó pergunta onde está o menino e seu marido lhe responde "ele está por aí, vivendo..." Ao mesmo tempo que o avô observa o menino, ele está observando sua própria infância, dialogando com sua visão de hoje e do passado. A estratégica posição do avô como "um observador ativo", já que ele próprio orienta e ajuda o menino, ou seja, interagindo com seus caminhos, de uma certa forma possui um claro paralelo com a própria posição do diretor, em última instância narrando e reavaliando a história. A figura do avô é, portanto, um intermediário entre a posição do espectador e do próprio diretor. São nesses momentos em que se percebe de que se trata claramente de um filme bastante pessoal.
Em primeiro lugar, cabe aqui rechaçar, como o diretor sempre fez questão de frisar, o seu título Os Três Zuretas. Esse é um dos motivos do atraso do lançamento do filme, rodado em meados de 95 para ser lançado comercialmente apenas agora, no final de 2000. O diretor Cecílio Neto insistia com o título original A Reunião dos Demônios. No entanto, obviamente, era um título completamente inviável para um filme infantil. Optou-se, então, pelo título mais "convencional" Os Três Zuretas. No filme, essa polêmica é claramente visível. A única parte em que o título se apresenta é no início, num letreiro bastante fajuto que apresenta "Os Três Zuretas em". A palavra "em" sinaliza claramente que o título do filme não é esse, mas que apenas são esses os personagens. Em seguida, surgem os letreiros originais do filme, com o título de A Reunião dos Demônios. Da mesma forma, nos créditos finais o título Os Três Zuretas nem mesmo aparece na tela.
A Reunião dos Demônios é de fato um filme esquisito. Mesmo nos momentos felizes, ou quando surge a piada inconseqüente, ela surge desengonçada, quase sem efeito. Reina em todo o filme uma nostalgia melancólica, um sorriso sem graça. É um filme que apresenta uma visão da infância tão desiludida, tão particular e atípica, que é difícil não o encararmos como uma experiência profundamente pessoal.
Já em seu começo, o filme apresenta seu ponto de vista claramente. Em uma série de fotografias estáticas e monocromáticas, surge uma criança - o personagem principal - tristonha e desencantada. No som, ouve-se uma discussão entre pais, anunciando o provável fim do casamento. Em um desses momentos, surge uma fotografia em que a criança olha diretamente para o espectador. A identificação e o impacto são imediatos.
Em seguida, o menino está no trem, olhando através da vidraça para o mundo lá fora, entoando para si mesmo uma melodia, numa cena que nos remete a O Silêncio, de Ingmar Bergman, filme que também busca uma nova visão do mundo infantil. Uma tola discussão sobre um gibi soa tão disforme que o espectador nem se ri. O trem finalmente chega a seu objetivo e o neto encontra o avô. O trem, na verdade, funciona como um ritual de passagem, uma transição que leva o espectador não só para o passado, mas essencialmente para o interior, visto também como espaço físico, mas essencialmente como processo psicológico. É através dessa passagem, dessa viagem no subconsciente, que o filme começa.
Ainda nos primeiros diálogos entre o avô e a criança a perspectiva do distanciamento entre os dois mundos fica visível. O diretor mostra logo no início que a saúde do avô não está perfeita, em contraste com a vitalidade física do garoto. Na estação, o avô coloca a mão no peito, mal agüentando o peso do menino. No carro, ele promete dar o relógio ao menino "quando morrer". De forma espontânea mas bastante sensível, o menino retruca que não conseguirá esperar tanto tempo. Rapidamente, desde a chegada do trem na estação até os primeiros diálogos entre neto e avô, uma sensação de melancolia domina sorrateiramente a tela. Percebe-se claramente que o avô está prestes a morrer.
A viagem do trem representa um deslocamento não só no tempo, mas também no espaço. Já no desembarque do menino na estação, percebe-se que o filme não se passa nos dias de hoje, e que o menino, saindo da cidade grande, vai visitar os avós que moram no interior. Esse deslocamento no tempo e no espaço aparentemente se refere a uma sentimento de nostalgia, com o qual os adultos que assistem ao filme se identificariam (e inclusive, o próprio diretor). No entanto, essa nostalgia é revisitada pelo diretor. Embora ela claramente esteja presente, permeando todo o filme, nunca há uma expressão saudosista. Isto porque o filme espelha um profundo senso de decadência, expresso de diferentes maneiras ao longo do filme.
Em primeiro lugar, no espaço, na constituição física da cidade. As andanças dos meninos pela cidade, especialmente quando buscam dinheiro para um sorvete, ocorrem em ambientes taciturnos, marcados pelo abandono. Quando os meninos finalmente encontram a nota previamente escondida por um deles numa fornalha, o cenário é desolador: uma antiga fazenda completamente abandonada. Da mesma forma, uma decadência física, na figura do avô que não mais consegue acompanhar o neto. Por outro lado, uma obsolescência dos costumes sociais da região, especialmente pela austera presença da avó, extremamente conservadora e disciplinadora.
Esse sentido de decadência está intimamente ligado a um passado que está prestes a ser destruído, inevitavelmente substituído por uma nova ordem. Um exemplo disso está numa casa que pega fogo, quando, por acidente, os "demônios" atiram um estilingue numa vela que incendeia o lugar. No meio do cenário em que vigora a natureza, os meninos observam e estranham a presença do fogo devastador. A decadência e a destruição do "paraíso perdido" estão refletidas na forma como os três meninos se relacionam com a natureza. Sutilmente, o diretor fornece elementos desse cenário de destruição quando cruelmente os meninos esmagam uma lagarta, ou quando um deles joga um passarinho para fora de seu ninho. Em outra cena, um escorpião observa a atitude dos meninos. Em outra, eles jogam um resto de sorvete para um vira-latas que nem sequer olha para o doce. É nessa articulação entre o distanciamento do homem e da natureza como símbolo da decadência de um interior e dos reflexos desse desencantamento na formação de uma infância melancólica que A Reunião do Demônio guarda inúmeras semelhanças com Menino de Engenho, de Walter Lima Jr.
Esse sentido de decadência também é espelhado através dos provincianos costumes locais que reforçam um sentido intrínseco de desagregação. Em paralelo à ingênua adoração do grupo de meninos ao Demônio, Cecílio Neto intensifica seus sentimentos em relação à religião na marcante cena da missa. Apresentada como uma cerimônia formalista que pouco contribui para o bem-estar dos participantes, acaba indiretamente sendo segregacionista, já que é o costume seguir fielmente as implícitas regras de convivência que ali são estabelecidas. Pelé, descalço, fica distante de seus amigos. No único instante de confraternização, quando os meninos retomam a sublime melodia de "Lampião de gás", vêem-se imediatamente rechaçados pela comunidade do local. A poesia cede espaço à padronização dos hinos de sempre da Igreja. Em outra cena cruel, a severa avó, apesar de exibir-se como extremamente religiosa, não permite que o negro Pelé se sente à mesa com os outros meninos. Resta-lhe ficar numa mesa no cômodo ao lado, no lugar dos empregados da casa.
O próprio argumento de A Reunião dos Demônios é bastante improvável para um filme infantil. Zezo e Pelé contam a Joaquim que repetirão de ano por causa de um professor que os pegou colando numa prova. Então passam a torcer pela morte do professor, o que acaba acontecendo. Seriam eles pequenos demônios?
A partir de então, os três amigos participam de uma série de acontecimentos que, de comum, se baseiam sempre em relações que nunca se completam totalmente, restando um sentimento de incompletude e de limitação. Solitários, incompreendidos e acima de tudo impotentes, os meninos acabam recorrendo ao inexplicável como razão motivadora de suas vidas. Num clima de incrível introspecção, o trio se reúne pela primeira vez durante a noite e ao redor de uma fogueira - e novamente o fogo como elemento de desagregação. Eles vêem confirmados seus sentimentos de inferioridade quando os adultos lhe dizem palavras grosseiras, chamando-lhes de demônios. Aos meninos só lhes resta a legitimidade ao mundo "responsável" dos adultos. Seu complexo de inferioridade, ou melhor, seu deslocamento em relação ao que as regras implícitas do mundo dos adultos lhes impõem, desperta um misto de culpa e vergonha por suas próprias naturezas, e consequentemente, uma adesão ao fatalismo. Sim, eles só podem ser demônios, que atraem e refletem o mal. Ainda assim, deve-se ressaltar que o filme nunca é manipulador, no sentido de mostrar as crianças como criaturas tenras que são injustamente pervertidas pelo mundo repressor dos adultos. Elas de alguma forma também praticam ações questionáveis. Elas, por exemplo, torturam um deficiente mental que se debruça sobre a janela e maltratam animais. Em outra cena, Zezo observa que uma boa quantia de dinheiro caíra por acidente do bolso da calça de um cliente, mas pega a nota para si, sem avisá-lo.
Essa inversão de valores é conduzida ao longo de todo o filme de forma cruel. Em torno dos meninos, multiplicam-se as situações em que de alguma forma surge uma relação negativa, contrariando a perspectiva escapista e otimista de um típico filme infantil. A separação dos pais de Joaquim, a reunião em torno da sombria fogueira, a morte do professor, a adoração ao demônio, o implícito furto do dinheiro por Zezo, a perversa relação dos meninos com a natureza, os animais e um deficiente mental, a cena da missa, o fracasso na pescaria, o incêndio acidental, a morte do avô, entre outros. Além disso, o filme recusa qualquer possibilidade de um entrecho amoroso. A descoberta do primeiro amor, típica do filme infantil, é recusada pelo filme. Embora uma expectativa seja criada, quando Joaquim observa uma menina ao longe, ela nunca se confirma e acaba dissipada ao final do filme. Os pais de Joaquim acabam de se separar. Justina, por sua vez, bate a cabeça na parede, após mais uma desilusão amorosa.
A princípio, o final pode parecer conciliador, quando Joaquim rasga a máscara do Demônio, e decide ir para o céu reencontrar seu avô. No entanto, o filme se encerra com um clima melancólico e taciturno. A solidão de Joaquim e seus amigos parece irreversível. Com a morte do avô, as férias de Joaquim se acabaram, e com elas, uma passagem para uma outra fase da sua vida, não necessariamente promissora, mas simplesmente uma outra fase. Dolorida e necessária.
Apesar de algumas irregularidades, e de um certo conservadorismo no uso de recursos de linguagem, A Reunião dos Demônios é um filme exemplar para o novo cinema brasileiro, evitando as desgastadas fórmulas dos filmes estrangeiros sobre o tema. E mais: resgata a idéia de que o verdadeiro caminho para o cinema brasileiro é a paixão.
Texto de Marcelo Ikeda.
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