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    2008-12-04

    A Infância de Ivan


    A presença dos efeitos da guerra, mais do que a guerra em si, pode apresentar em muito mais detalhes todo o sofrimento e as indeléveis conseqüências na vida dos seres que venham a ter a infelicidade de experimentá-la. O artista que consegue sugerir, e não mostrar, a guerra, isolar aqueles efeitos todos, ao invés de se concentrar em bombas, explosões, tanques cuspindo bolas de fogo etc, e apresentar ao espectador toda a monstruosidade e imbecilidade que jaz, em estado de potência, no homem, esse artista é digno de todo o aplauso e terá seu nome para sempre no panteão dos grandes.
    A Infância de Ivan, se eu não me engano, é o primeiro filme do gênero "a guerra vista pelos olhos de uma criança", que ficaria marcado pelos (bem) posteriores, e curiosamente lançados no mesmo ano de 1987, Au Revoir Les Enfants (Louis Malle), O Império do Sol (Steven Spielberg) e Esperança e Glória (John Boorman).
    Um garoto russo, Ivan, na Segunda Guerra, tem a família trucidada pelos nazistas. Sua infância (há a ironia do titulo do filme em questão), que só guarda a relação com uma infância convencional por meio dos sonhos-lembranças, de uma hora para outra é jogada naquele inferno todo. Aliás, seria tudo aquilo as lembranças mesmo de Ivan, em grande parte, ou simplesmente como teria sido a vida dele se não houvesse a guerra? Se Francis Ford Coppola, em Apocalypse Now, precisou de rolos de filme para mostrar toda aquela insanidade típica de uma guerra, Andrei Tarkovski, no começo exato da década de 60, ainda no calor dos rescaldos do mais tenebroso conflito do século passado, precisou de 90 minutos para nos mostrar, num monocromático deslumbrante, toda a síntese do que é o sofrimento imposto ao homem pelo homem, a mais acabada prova de que podemos ser nossos próprios lobos. Aquele garoto, obcecado pelo desejo de vingança, passa a ser informante do exército russo - por causa da baixa estatura e agilidade - em operações de altíssima periculosidade: adentrar, passando por brejos e pântanos sombrios, o terreno inimigo e de lá trazer informações relevantes aos seus compatriotas. O garoto, ele que, apesar da aparência frágil, apresenta traços de um adulto em tamanho pequeno: às vezes autoritarismo, outras uma segurança inimaginável numa criança, em ainda outras um senso de arrojo notável e por aí afora. Os diálogos nos quais ele fala aos gritos com os altos escalões do exército russo causa-nos um misto de comiseração e compreensão. Aos poucos, vemos seus sonhos (Tarkovski era um gênio em vários aspectos, sobretudo na criação de seqüências oníricas): fiapos de lembranças idílicas. passeio na carroça de maçãs sob a chuva com sua irmã; sua mãe num dia de sol à beira de um poço contando-lhe estórias. Um outro aspecto que me chama a atenção nestes filmes que até agora vi do grande russo, foi a transição, praticamente sem cortes, de um ambiente a outro. A montagem de seus filmes parece se pautar por critérios mais do que subjetivos; parecem seguir uma filosofia toda peculiar: o poético jaz em vários lugares, sobretudo na sábia articulação de imagens: coisa que o maior cineasta russo fez como ninguém: Eisenstein, o poeta por excelência da montagem, que soube tirar sentido das colagens, da junção das cenas. Tarkovski leva essa proposta ao extremo.
    A seqüência em que Ivan, numa interpretação digna de um ator calejado, interage, com seus demônios interiores, todos os dramas e sofrimentos que ele tão precocemente já vivenciara, é espantosa. Ele começa a brincar sozinho, de castigo que estava (ironicamente, por ter sido ousado/imprudente demais, ao quase ser pego pelos nazistas) e iria ser mandado para uma escola militar. Mas logo percebemos que aquilo não é uma brincadeira comum, que aquele não é um garoto comum: num trecho notável do roteiro, há um aumento da carga de expectativa, com cortes rápidos: uma inscrição na parede dizendo para vingarem os mortos que um dia viveram naquele lugar, agora um esconderijo; vozes; outros cortes; closes no rosto da mãe de Ivan, já há muito morta: fica patente que aquilo tudo se passa na mente atribulada daquela criança amadurecida à força. Num clímax muito bem desenhado, vemos Ivan “interagir” com um traje pendurado na parede: seria aquilo um nazista feito-refém. O pequeno “militar”, na sua brincadeira-delírio, solta o ódio advindo da necessidade de vingança, ódio esse tão internalizado, tão sedimentado em seu mais profundo eu (o tema do filme, aliás, poderia ser essa devastação interior que a guerra, seja ela qual for, causa nos humanos), a ponto de ele ter todo aquele momento de loucura particular e atípico numa criança. Uma cena impressionante que, se foi realizada, foi muito por causa do talento extraordinário daquele garoto.
    Há clarões no roteiro. Clarões, ou pontos de respiração, é como, em jargão de roteiristas, se chamam aqueles momentos em que temos uma pausa na linha central da narrativa. O filme termina e começa com esses clarões. Aliás, o filme termina com o que poderíamos chamar de falso final feliz. No início e no fim, imagens bucólicas, com música agradável e otimista, de um Ivan radiante de felicidade. Ou a brincar sozinho, sorrindo para a mãe em seguida (no começo) e correndo com sua irmã à beira-mar, ambas as cenas em um dia ensolarado e radiante. E são os únicos momentos, esses e outros de sonhos-lembranças-devaneios, em que vemos a luz solar. Na maior parte do filme, o cinza monocromático dá as rédas, acentuando em demasia todo o clima sombrio e pesadão do filme. Pois aquela realidade era sombria. E por falar em algo sombrio, a “ronda” que os militares, junto de Ivan, fazem naquele pântano, praticamente às voltas com a escuridão quase impenetrável da mata fechada, é uma cena que marca a todos que tiverem o privilégio de assistir a tal filme.
    Outro clarão, esse mais dramático (no sentido aristotélico do termo: jogo de ações entre personagens): noutra cena famosa, muito lembrada por aí, é a do bosque de arbustos, onde o Capitão Kholin e Masha, a soldado encarregada dos enfermos, têm um affair. Quer dizer, ele a encurrala e a beija à força. E o espectador desatento pode se perguntar: o que faz ali aquele quase-romance no meio daquela brutalidade toda? De novo a fórmula tarkovskiana se fecha: os sentimentos, sobretudo eles, são prejudicados pelo horror, pela insanidade da guerra. Não há como ele frutificar entre seres “destruídos” emocionalmente.
    Tem também o uso da câmera subjetiva: a dança dos arbustos fala por si.
    Eis um filme belíssimo. Mas para quem está aberto a esse tipo de fruição. Não intelectualizar demais as obras dos grandes cineastas é um favor que fazemos a eles. Ou uma homenagem: um tributo àqueles que souberam sintetizar, em grandes pinceladas, toda a gama de experiências humanas. Entre as quais está, infelizmente, a da guerra.
    Esse filme fez bonito no Festival de Veneza de 1962, conseguindo desbancar obras de figurões como Stanley Kubrick, Pier Paolo Pasolini (cujos filmes “Accatone” - Desajuste Social e Mamma Roma, tenho aqui comigo para assistir em breve) e Jean-Luc Godard… Nada mal para um então jovem diretor.
    Ficha Técnica:
    A INFÂNCIA DE IVAN
    Direção: Andrei Tarkovsky, Eduard Abalov
    Ano: 1962
    País: União Soviética
    Duração: 95 min. / p&b
    Título Original: Ivanovo Detstvo
    Título em inglês: Childhood of Ivan




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